Missão fotográfica NEFA BC
A proposta deste projeto traz em si a contrariedade ao debate que coloca em oposição a fotografia como documento ou como arte. Entendemos que em todas as criações no campo desta missão fotográfica estabelecem-se conceitos que permeiam deslocamentos, materializações e desmaterializações e, ainda, abordam identidade e memória.
O que vamos encontrar nos ensaios aqui apresentados é a superação desta dicotomia arte/documento e a abertura de um diálogo produtivo com o tempo/espaço de um lugar, pois a fotografia nasce da observação do mundo, mas propicia um outro modo de ver que se insere na práxis criadora.
Desde o advento da fotografia, muitas foram as transformações. Mas a tensão a respeito da relação entre fotografia e arte ainda reverbera para uma grande maioria de pessoas. E mais, no que se refere a interpretação das imagens fotográficas e seus desdobramentos, grande parte das pessoas permanece na superfície. Como afirma Kossoy (2020, p. 22)[i], “[...] patinando nas superfícies iconográficas, sem conseguirem relacionar nada além dos seus limites, ainda num estágio, apenas ‘descritivo’”.
Este é um dos nossos desafios nesta publicação da Missão Fotográfica NEFA BC: potencializar o fazer criativo dos autores envolvidos para repensar as cartografias imagéticas da cidade de Balneário Camboriú e, neste contexto de intertextualidades, redescobrir a expressão como indissociável da forma.
Observando a produção dos onze autores, percebemos que a(s) cidade(s) evocada(s) resultam de um substrato criador de quem pensa a partir da imagem como representação, privilegiando a dimensão poética, “[...] realidade moldável em sua produção, fluida em sua recepção, plena de verdades explícitas e de segredos implícitos” (KOSSOY, 2007, p. 44)[ii].
Nosso foco é a fotografia como prática criadora que, ao mesmo tempo, é arte e documento, em um movimento onde os fragmentos da observação da realidade são entrelaçados com as bagagens culturais, subjetividades e expectativas estéticas de seus autores que, com uso da fotografia, elaboram suas narrativas poéticas, mais verossímeis ou mais ficcionais, sugerindo a visualidade de uma realidade que é também narrativa de si e indagando o paradoxo objetivo e subjetivo ao apresentar um documento poético do metabolismo social de uma cidade diversa.
E para falar desta cidade balneário que se anuncia pela presença do mar, Soninha Vill traz o olhar para um lugar que está entre a percepção, o movimento e o imaginário no fluxo de quem trafega pela BR 101 e observa o crescimento do concreto e, paradoxalmente, o sonho da vida que ostenta luxo junto ao mar. Em “(De)Passagem para o mar” a autora questiona esta imagem única que é vendida como verdade plasmada e idealizada.
Já dentro da cidade, Diorgenes Pandini observa e documenta, a partir da faixa de areia junto à principal avenida da cidade, o fenômeno do crescimento verticalizado que cria uma barreira artificial impedindo que a luz do sol chegue à praia no período vespertino. No ensaio “Lugar ao sol” o autor indaga: Até quando é válido privatizar a luz do sol?
Carla Bordin permanece na faixa de areia e suas imagens configuram por meio de uma atmosfera difusa a relação com os “desconhecidos” que compartilham a areia do balneário e, construindo uma paisagem de afastamento, coloca-nos no lugar do passante que vê de longe e não consegue ver direito.
Por outro lado, é para longe do concreto, onde o mar encontra a terra, que Rivo Biehl nos leva a conhecer outra Balneário Camboriú, sem buzinas, sem turistas, sem luzes artificiais. O ensaio “costões” é o avesso do caos visual, o que o fotógrafo chama de lugar onde “a calma rígida dos costões e a suavidade do mar se encontram”.
Felipe Gallarza revela outros “espaços líquidos”, os ocultos sob a cidade, em uma pesquisa visual que trata do processo de desenvolvimento do município de Balneário Camboriú como um retrato dessas interações ocorridas entre o ser humano, a cidade e seus corpos hídricos.
E foi na Foz do Rio Camboriú, que divide o Bairro da Barra, onde vivem pescadores, da Barra Sul, com suas marinas, lanchas e iates, que Cícero Viégas viu um conflito entre sonho e realidade nas diferenças explicitas a partir das embarcações que navegam as mesmas águas.
Nesta mesma cidade, Thainara Giraldi nos leva para o universo de uma jovem que vive e trabalha na cidade e através de imagens do “ordinario” expõe parte de sua vivência durante o ano de 2020 e, também, lembranças dos poucos e saudosos dias pré-pandemia. Um ensaio permeado de sentimento de perda, angústia, despedidas, incertezas, rotinas adaptadas, máscaras e máscaras que muitas vezes usamos durante toda vida.
O fotógrafo Lucas Correia, também morador da cidade, no ensaio “en passant” pensa sobre o movimento migratório que ocorre em Balneário Camboriú desde a década de 1960. Uma cidade que recebe pessoas de todo o Brasil, que buscam, em sua grande parte, oportunidades de emprego, melhora na qualidade de vida ou simplesmente um veraneio. A cidade, por sua vez, oferece boa infraestrutura, mas a variedade de pessoas de passagem simboliza também a contrariedade ao pertencimento local.
A cidade é heterogênea e foi na diversidade que Paloma Gomide foi buscar a força feminina como protagonista na comunidade do “Quilombo Morro do boi”, em um encontro que, segundo a fotógrafa, foi como “olhar no espelho, e nos conhecer através delas”.
Da mesma forma, Flavio Fernandes expõe nas suas imagens a prática familiar da “farinhada”, uma celebração cultural sobre o modo de fazer farinha artesanal, que sobrevive no último engenho em funcionamento no município de Balneário Camboriú.
Em meio a pandemia de covid 19, vivida desde o início de 2020, o olhar de Celso Peixoto traz uma reflexão sobre o esvaziamento dos espaços tradicionais da cultura e a luta dos artistas para manterem-se em atividade, pois “o show tem que continuar”, lembrando que Balneário Camboriú é marcada pela força e organização do fazer artístico em diversos setores de atuação, fundamental e marcante na personalidade da cidade.
Lucila Horn